Já disse algumas vezes que minha mãe me ensinou um monte de coisas. Acho até que ela me ensinou a ser eu e, assim, sou uma continuação do que ela foi. Isso é bom, espero que eu não termine em mim mesmo, que também haja alguém para dar continuidade ao que sou. Tenho algumas falhas que merecem um puxão de orelha e sempre sei quando estou fazendo algo errado, pois tenho como padrão o que ela faria. E posso imaginar o seu olhar de reprovação quando deixo a desejar em algum quesito. Depois que ela faleceu, remexendo seu espólio (sempre quis encontrar uma oportunidade para usar essa palavra!!) encontrei alguns escritos e na época redigi uma carta. Uma carta que não mandei. Ela não me reprovaria por isso, porque o que encontrei foi justamente uma carta que ela também não mandou… mas talvez ela me reprovasse por torná-la pública. Paciência, vamos juntos, mãe, eu com minha carta e em seguida você com a sua!
Minha carta
Volta Redonda/RJ, 28 de Outubro de 2000
Vossa Senhoria
Antônio Francisco Neto – Prefeito da Cidade de Volta Redonda
Gostaria que esta carta tivesse um caráter informal, como a que um amigo endereça a outro, sem medo de externar sentimentos nem receio de ser mal interpretado. Ela trata de como aprendemos, eu e minha família, a reconhecer uma verdade que nos foi ensinada “por preceito e pelo exemplo”.
Sábado, ao chegar à clínica onde minha mãe fôra internada momentos antes, recebi a triste notícia de seu falecimento. Durante as 24 horas seguintes, entre o turbilhão de coisas que se têm para resolver, aprendi um pouco sobre a minha cidade, sobre as pessoas que vivem aqui e gostaria de expressar minha gratidão pelo tratamento que minha família e eu recebemos. Não quero espalhar louros sobre trabalhos ou pessoas, mesmo porque nem me lembro o nome da maioria delas, mas simplesmente agradecer sensibilizado pelo apoio recebido dos irmãos voltarredondenses naquele momento.
Gostaria de começar citando que fomos tratados com dignidade e respeito em quaisquer que fossem os lugares onde precisamos comparecer. Tanto o funcionário da funerária municipal quanto o da capela mortuária dispensaram toda a atenção que precisamos, ainda que fosse perto das 23:00h. Digo o mesmo em relação à mocinha que nos atendeu no cartório, em pleno domingo. Com as orientações que nos passaram pudemos administrar a situação sem perder o controle. As pessoas que nos atenderam na clínica também nos olhavam nos olhos e partilharam da nossa grande perda. Gostaria de reconhecer também o bom trabalho que foi realizado com a construção da Capela Mortuária. A localização facilita grandemente o acesso de quem vem de qualquer ponto da cidade e a estrutura nos acolhe e conforta. É um local onde podemos receber dignamente os amigos que vêm prestar a última homenagem àqueles que amamos e se vão. Todos, enfim, do primeiro ao último cidadão da cidade com quem mantivemos contato naquela ocasião demonstraram-se verdadeiros AMIGOS, daqueles que se revelam nos momentos mais difíceis da batalha – a todos eles nosso muito obrigado.
Organizando os pertences que minha mãe deixara, encontrei uma carta endereçada a Volta Redonda. Essa carta foi escrita durante o tempo em que ela estava morando em Campo Grande/MS (de 1992 a 1999). Estava num caderno que trazia na primeira página, escrito em letras grandes “As cartas que não mandei”. E gostaria de passar uma cópia a vossas mãos, pois acredito que ela aprovaria o meu ato. Mando uma cópia na caligrafia dela, da maneira como escreveu, para que essa cidade possa guardar, se assim achar por bem, o sentimento externado de uma “filha”. Filha que foi amada pelas pessoas maravilhosas desse lugar, filha que essa cidade acolheu e que agora guarda perpetuamente em seu seio.
A verdade que aprendemos é que nossa cidade é o melhor lugar do mundo. Por mais longe que estejamos temos a certeza de que ela será para sempre nossa casa. Creio que posso encerrar por aqui, desejando que nosso sentimento por esse lugar possa contagiar todos seus moradores – e que sejamos felizes.
Cassio Jr
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Sua Carta
Campo Grande/MS, 9 de novembro de 1995.
Querida Volta Redonda
“Cidade do Aço”, cidade bonita, cidade de todos, cidade minha. Eu amo você. Nas tuas ruas eu cresci (mas não muito), debaixo do teu céu eu fui feliz, entre tuas montanhas eu vivi protegida quase toda minha vida e sou muito grata por isso. Vivo na esperança de um dia poder voltar a ti, porque aí é o meu lugar. Sinto uma saudade danada de voce!
Quero que me perdoe por ter te deixado um dia e que saiba que nunca te esqueci.
Terra dos sonhos… gente chegando de todo lugar, inclusive meu pai que chegou em 1958. Cada um trazia consigo o coração cheio de esperança e você nunca decepcionou ninguém. Todos conseguiram prosperar – uns muito, outros pouco; mas todos melhoraram suas vidas. Povo forte como o aço que destila dos seus altos-fornos; povo quente, alegre e corajoso.
Alguns reclamam, murmuram, falam mal, mas permanecem aí. Ir para onde se aí é o melhor lugar do mundo? Os poucos que saem um dia com certeza voltam ou então se lamentam de saudades pelo resto da vida. Não é o meu caso, porque certamente voltarei. Voltarei porque te amo.
Cacilda